sábado, 12 de novembro de 2011

Ao Encontro da Trindade...

A feliz ideia de levar Henrique, “O Peregrino”, ao CIES foi de Mírian, por isso sugeri que ela, neste texto, nos apresentasse, brevemente, o visitante. Depois de relutar, porque não conseguiria dizer, em poucas palavras, tudo o que significa este ser humano especial: Henrique da Trindade, eis a sua fala: “Henrique é um cidadão do Reino, que resgata a cidadania nas pessoas, não só nos mendigos, mas em todas as pessoas que encontra, porque as faz buscar, em si mesmas, a identificação de filhos e filhas de Deus. Deus fez uma peregrinação no interior deste homem, por isso, hoje, ele reflete, essencialmente, o Jesus manso e humilde, que acolhe a todos com o coração aberto e um olhar demolidor de castelos e reconstrutor de ruínas”.
     Lêda deu início ao relato: “no dia 10 de novembro, o CIES N. S. da Estrada recebeu a visita de um monge, um monge diferente, de rabo de cavalo, roupa alegre, sem hábito, nem nada que fizesse desconfiar de sua vocação. Foi alguém que nos contou sua peregrinação pelos meandros da vida, sempre a pé, tentando escolher o melhor para si, num caminho de plenificação humana e espiritual, que passa pelo despojamento. Desde cedo, foi tocado pela Santíssima Trindade, sobretudo pelo que os teólogos chamam inabitação da SSma Trindade em nós, Deus que vem habitar no coração da sua criatura. Na sua partilha, percebemos alguém que não se precipitou, mas foi se arriscando a descobrir o que mais o atraia, dentro de um percurso muitas vezes sofrido e nem sempre vitorioso. Muitas coisas nos deixaram encantados e encantadas, sobretudo sua simplicidade, a transparência, a sabedoria que ele foi aprendendo da vida, das pessoas de rua, com quem vem convivendo nesses 25 anos de busca. Quando alguém lhe perguntou como via, hoje, o fato de ter renunciado a uma vida realizada, no primeiro mundo, pois nasceu e se educou na França, respondeu que olhava tudo de outro ângulo. Todas as suas escolhas, e foram muitas e gradativas, não as vê como renúncias, pois o fizeram optar sempre, naquele momento, pelo que resultou melhor para ele, para o seu crescimento em direção a um ideal. Hoje, esse seu peregrinar, porque a peregrinação não foi interrompida, vive numa igreja que se encontrava fechada e abandonada na Cidade Baixa, em Salvador, agora, abriga, no seu espaço trinitário e materno, qualquer um ou uma que deseje viver na sua comunidade, numa relação de irmãos.”
     Olímpia buscou extrair e organizar os princípios e pressupostos que configuram uma vida vivida em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo:
• “RENÚNCIA AO CONFORTO PARA SEGUIR JESUS – “não considero que deixei ou perdi nada, apenas escolhi O MELHOR; apenas abandonei aquilo que me impedia de alcançar uma vida em plenitude, pois, quando se fala de renúncia, parece que se está deixando o bom para abraçar o ruim e não é esse o sentido de quem, simplesmente, se propõe a buscar uma vida em plenitude e atender ao chamado profundo que o Senhor faz a cada um. A cada passo, se sente que aquele é o caminho certo, o melhor caminho”.
• SER PEREGRINO – ao ser indagado se havia deixado de ser um peregrino, Henrique disse que, quando se faz a experiência de Deus como peregrino, os momentos vividos se incorporam à pessoa, há coisas que marcam tanto que jamais saem da vida daquela pessoa, e lembrou que Inácio de Loyola que, no início de sua missão era peregrino, uma vez que se sentiu chamado aos estudos e à fundação da Companhia de Jesus, não mais fez peregrinações (deslocamentos), contudo, em sua autobiografia, se intitula “O Peregrino”, sinalizando para nós que, mesmo sem se deslocar, ele é, essencialmente, um peregrino, pois as marcas da sua caminhada como peregrino permanecem sempre e por toda a vida.
• ACEITAÇÃO, RESPEITO E ACOLHIMENTO MÚTUO – Henrique disse que, na Comunidade da Trindade, TODOS, antigos ou novos moradores, fazem a experiência de acolher e de ser acolhidos. Assim que chegam, os novos são acolhidos COMO SÃO, DO JEITO QUE SÃO e não é feita NENHUMA exigência. Quando apresentados aos mais antigos, apenas se alerta que eles, os novos, terão de conviver com aquelas pessoas aceitando-as também, exatamente como são, com seus problemas, defeitos, enfermidades, etc, fazendo, pois, o exercício de ser acolhido na Comunidade, mas, também, de acolher os que ali já vivem.
• PARTILHA DOS MORADORES DA TRINDADE – Henrique comentou algumas partilhas que costuma ouvir dos moradores da Comunidade da Trindade, sendo a principal aquela em que eles, costumeiramente, dizem se sentir acolhidos pela Trindade como no ventre de uma mãe. Ao fazerem a experiência de dormir dentro da Igreja, ampla e com o ícone da Trindade no altar, sentem-se tão confortáveis, protegidos e abrasados pelo carinho, amor e consolo da Trindade.
• AUSÊNCIA DE TRANCAS E CHAVES – EXPERIÊNCIA DA CONFIANÇA MÚTUA – na Comunidade da Trindade, não há chaves, cadeados ou trancas nas portas, faz-se a experiência da partilha de tudo e as pessoas vivem em liberdade de ir e vir, entrar e sair quando desejarem. Nada é guardado ou trancado, nem mesmo os alimentos da dispensa; há liberdade e confiança mútua.
• A REAÇÃO DIANTE DA VIOLÊNCIA – Henrique nos falou que, em situações extremas de violência, mesmo diante de armas engatilhadas, a sua postura, e que também é partilhada pela Comunidade da Trindade, é de firmeza e ternura, ou seja, uma atitude de “não-receio” de “não-medo” e, ao mesmo tempo, de ternura diante daquele que aponta a arma.
• SALMO 121 – Henrique disse que este Salmo é, por excelência, o Salmo do morador de rua, porque essas pessoas têm muita resistência a dormir, somente entram em sono quando toda a força do corpo foi superada e, neste momento, faz-se a experiência de que, enquanto ele dorme, Deus tudo vigia e o protege. É o Guarda de Israel, do qual nos fala o Salmo que vigia o tempo todo e JAMAIS DORME.
• CONTEMPLAÇÃO DA TRINDADE – Henrique propôs que todos os presentes olhassem para o quadro da Santíssima Trindade exposto sobre a mesa e escolhesse uma das três imagens para fixar o olhar por algum tempo. Após isso, perceber que aquela imagem o remetia para outra, no mesmo quadro, quase que instantaneamente, e que esta, também remetia à terceira imagem, proporcionando a todos a percepção de que a Trindade é mesmo COMUNIDADE e que as Três Pessoas se comunicam, se complementam – eis a experiência da Comunidade da Trindade”.
     Hanne fez uma constatação radical: “para mim, o estar com e ouvir Henrique foi profundamente terapêutico e benéfico, e me encheu de esperança, da qual muito pouco me restava. Foi uma graça poder encontrar e ouvir um homem que NÃO TEM MEDO DO IRMÃO, só trabalha pura e simplesmente por AMOR. Eu me lembro, então, daquela passagem na Bíblia em que Deus queria destruir uma cidade repleta do mal e alguém intercede a favor dizendo: se houver só 10 bons Você poupa a cidade? Se só houver 9, 7, 5, 4, 3, 2 e se houver só 1 homem bom, Você poupa a cidade? No momento, Henrique foi o único que me fez voltar a acreditar na humanidade e em mim. Me conscientizei de que também devem existir alguns outros Henriques no mundo, e que não posso enxergar só o Mal e ter MEDO do Mal; e como já sei, teoricamente, há anos, que MEDO É A RAIZ DA VIOLÊNCIA e que só há duas coisas no mundo para escolher: AMOR ou MEDO = DEUS ou MEDO, é preciso que os "homens de dura cerviz" não optem pelo Medo.”
     Conceição sintetizou, afirmando que, “na simplicidade e humildade que lhe é peculiar, Henrique contou-nos a sua vida, dando um testemunho verdadeiro, corajoso, que me lembrou o ‘Terceiro Grau de Humildade’. Ele é bem inaciano e disse que, sempre que precisa, faz um retiro inaciano de discernimento”. E Mariza acrescentou: “como é difícil falar de uma experiência! O grupo Santo Inácio, certamente, experimentou de perto o que Maria, irmã de Marta, experimentou: ‘Marta, eu escolhi a melhor parte!’. Eu e o grupo estivemos aos pés de Jesus, saboreando a sua presença e escutando cada palavra, terna e doce, como se fosse leite e mel. Henrique reflete a Trindade de tal forma que mobiliza, no fundo da nossa alma, o que temos de mais precioso. Ele tem paciência de respeitar o processo de cada um que chega perto, pois ele próprio já demoliu o seu ego e integrou os seus pedaços. Henrique vive no meio da Trindade e reflete essa ternura com muita simplicidade. Acredito que este tenha sido o ápice de todos os encontros que o CIES tem promovido. Experiência é experiência. Só basta acolher a presença amorosa e criadora da Trindade para, um dia, podermos refleti-la com mais clareza.”
     Pe. Eliomar sugeriu o título e enviou as imagens; eu, que não pude estar presente, agradeço as ressonâncias que me possibilitaram exercitar a produção coletiva. (Marize Pitta)

3 comentários:

  1. Muito legal o texto, melhor ainda o encontro ao vivo com Henrique. Pe. Eliomar

    ResponderExcluir
  2. Li e reli muitas vezes o texto:" Ao encontro da Trindade" e cada vez mais fico maravilhada de ver como age a graça de Deus nas pessoas.Li seu livro e acompanhei de perto sua caminhada especialmente pelo Brasil.Homem corajoso de fé que renunciou ao conforto para seguir Jesus de perto.Ele escolheu o Amor na pessoa do irmão e é isto que devemos fazer em nossas vidas.

    ResponderExcluir
  3. Fiz retiro com o irmão Henrique do dia 08 à 13 de setembro de 2019 em Massaranduba, com as Irmãs Franciscanas da Trindade. Momento inesquecível. Amei a experiência de viver momento em que pude sentir o amor da Trindade que nos abraça e que cuida de cada um de nós com amor de ternura. Muito agradecida pela experiência.

    ResponderExcluir